Monday, March 03, 2008

Capítulo 42

Jacó Simão despertou atado a uma árvore. Seus pulsos estavam fortemente amarrados, assim como seus tornozelos. Ele estava vendado e com algum pedaço de pano enfiado na boca. Estranhamente, as dores haviam cessado; excetuando, evidentemente, os trechos onde a corda apertava mais incisivamente. O gosto do pedaço de tecido que só lhe permitia grunhir também não agradava – era sujo, exala odor cáustico e Jacó estava próximo de vomitar. Se vomitasse, acabaria sufocado. Não ouvia nada em seu entorno. Nem uma cigarra sequer. Após algumas horas perdidas tentando se desvencilhar das amarras, se resignou; o esforço só fazia a corda lhe comer ainda mais a pele. Tratou, portanto, de entender o que fazia ali, como havia se curado – ou quem o havia curado -, e principalmente, de que forma terminaria aquela situação. Mas, em sua cabeça, havia uma certeza: estava próximo de conhecer aqueles que viviam fora da Cidadela e que obrigavam seus habitantes a não ultrapassar o perímetro dela.

Monday, January 28, 2008

Capítulo 41

O crepúsculo encheu Jacó Simão de satisfação. A mescla de cores fortes, o dégradé do vermelho contrastando com o azul noturno davam uma sensação de alívio. As dores cessaram naquele instante – Jacó sentia-se realmente muito bem. O frio chegava mansamente e com ele um céu repleto de estrelas. Sem conseguir se mexer, sequer para se abrigar do sereno, Jacó fez companhia às estrelas durante toda a madrugada. Não cerrou os olhos e apenas passou longas horas fitando aquele belo cenário. Eventualmente, esticava o braço o máximo que podia para surrupiar algumas gotas de água do riacho. E assim, o homem banido permaneceu durante alguns dias, sobrevivendo à base de gramíneas e algumas doses de água doce. E sem nunca dormir – as estrelas estava ali para garantir isso. Jacó, todavia, ao passo que se sentia bem como nunca, sabia que seu fim se aproximava. Suas pernas estavam a ponto de se putrefazer e suas costas já estavam repletas de feridas purulentas. Aves negras e desconfiadas já rondavam o terreno. Enfim, Jacó Simão fechou os olhos, traindo as companheiras da madrugada.

Monday, January 21, 2008

Capítulo 40

Jacó Simão acordou, mas não abriu os olhos de imediato. Sentia dores horrendas por todo o corpo, sentia medo de ver algum ferimento mais grave. Não se lembrava ao certo o que ocorrera, estava inerte e com tamanha fraqueza, que pouco podia desejar naquele momento. O forte calor, no entanto, o irritava, e a luminosidade fazia arder as vistas. Pensou alguns instantes, rememorou alguns de seus passos, e aí, sim, aos poucos abriu os olhos. Evitou olhar para si, mesmo por que, bem à sua frente corria um riacho, e seu primeiro impulso foi abrir a boca e esticar a língua, ainda deitado. Claro, não foi o suficiente para alcançar sequer uma gota d’água. Jacó, então, moveu um pouco o braço menos danificado pela queda e passou a mão suavemente pela película do charco. Antes de sugar as gotículas que se formavam em seus dedos enlameados olhou bem em volta, como se houvesse alguém ali capaz de roubar sua maior riqueza naquele momento. Era um belo lugar. Poderia passar o resto da vida ali, sem mais fardos, sem precisar voltar para casa, casa que nem mais considerava. A casa era esta, ali era onde gostaria de estar. Aí sim, menos desconfiado, sorveu com todo requinte necessário à ocasião a mistura de lama, água e um pouco de sangue seco. Juntos, constituíam um sabor refinado. Se sentido mais revigorado, Jacó tentou virar de barriga para cima. Duas, três, quatro vezes. Suas pernas doíam muito, um dos braços estava dormente. Enfim, agarrando-se a uma raiz, girou sobre o próprio tronco e pôs-se cara a cara com o sol. Deu um lar largo de altivo sorriso. Depois riu escandalosamente, pouco preocupado se despertaria a curiosidade de alguém ou de algo. Aí, chorou copiosamente, cravando as unhas firmemente na terra úmida. Riu e chorou assim até escurecer.