Saturday, January 28, 2006

Enquete:

artista da fome ou dá fome?

Wednesday, January 11, 2006

Labirinto

Estou em um labirinto. Nu. Não sei como vim parar aqui. Abri os olhos e me deparei com um longo corredor de paredes opressoras. Estou completamente nu. Peça alguma de roupa me enlaça. Não estou confuso, tampouco desesperado. Teriam outros aqui? Espera-se tudo de um labirinto. Comecei a andar e para frente fui. Virei à esquerda, depois direita, andei para frente e para o que antes era trás. Cheguei a lugar algum. Parei em um local semelhante ao de partida. Há o céu - de cores caóticas - mas odor não - sinto nada - como se tudo a minha volta fosse absolutamente puro. Meu corpo nunca foi tão inútil. É frágil e repugnante. É um corpo nu ladeado por muros imponentes. Não sinto fome e, se prendo a respiração, não morro. Há castigo maior? Preso à vida, em um labirinto. Nu. Direita, esquerda, direita, esquerda. Quem mandava já não manda. Para frente, para trás. Quem me tinha, já não tem mais. Lanço-me por vielas do labirinto e novos caminhos vou achando.

*

Encontrei uma trilha interessante, que desemboca num pomar. Debaixo de uma árvore há um homem. Nu, sentado, braços debruçados sobre uma mesa. Parece fazer anotações. Convido-me a sentar; sou muito bem recebido. Tem poucas palavras meu interlocutor. Só fala o necessário. Eu o interpelo primeiro. Pergunto onde estamos. Não sabe. De onde veio? Diz desconhecer completamente sua origem, então percebo que não tenho um passado. Sim, sou um homem que pensa, com os sentidos funcionando e ciente de meu universo. Mas simplesmente minha estória particular de antes de abrir os olhos não existe. Invento um resquício de memória para dar pavio ao diálogo. “Dormi cedo, dei boas-noites, escovei os dentes e deitei no horário de sempre.”

Sinto-me um pouco constrangido de atrapalhar sua atividade. O homem nu está rabiscando um papel, esboços de textos e desenhos. Pergunto o que são, não recebo resposta. Desvio o foco da conversa. Para onde você pretende ir?

- Estou em busca de uma sala.
- Uma sala aqui, no meio de um labirinto?
- Labirinto? Não tinha reparado. Mas a sala está aqui sim.
- O que tem nesta sala?
- Absolvição. Estou tratando de uma pendência. Burocracia, você sabe.
- Eu não procuro absolvição, procuro uma saída. Você conhece alguma?
- Uma saída é o mesmo que uma absolvição, independem de gênero. Só conheço a minha. Sinto...
- Bom, vou deixá-lo com suas anotações. Preciso achar minha saída.
- Pode me seguir. Quem sabe a minha sala não seja a mesma que a sua.

Seguimos pelo Labirinto, conversando minimamente. O silêncio era absoluto na maior parte do trajeto. Direitas, esquerdas, frentes e versos. Nada de sala, nada de nada. E uma incrível ausência de constrangimento pela falta de roupas. E uma vergonha enorme ao me exceder em palavras desnecessárias. Quando assim se dava, ele só me ignorava. Solenemente, sem esboçar qualquer reação de repúdio.

Vagamos por muito tempo, não sei definir quanto. Horas, dias, segundo, minutos. Não tenho como diferenciar estas pequenas atribulações. Parece-me, no entanto - depois de muito caminhar - que dominei o mapa completo do Labirinto e, portanto, só tenho uma conclusão: ele não tem saída.

- Não tem saída. Muito menos sala.
- Você acha? Tem certeza? Como pode ter certeza se não percorremos todos os caminhos possíveis ainda?
- Percorremos.
- Discordo. Veja, há um porta ali. Tente a maçaneta.

A tal porta – juro - não existia. Ou sou muito distraído. Ou dei pouca importância a algo que poderia, antes, ter sido uma porta. A porta abriu sem dificuldades. Dentro do cômodo, apenas uma mesa com cadeira e um relógio de ponto. Meu companheiro de jornada passou por mim, puxou do insólito objeto um cartão, carimbou-o e se sentou na cadeira que compunha o cenário com a mesa. Tirou de uma gaveta os mesmos papéis que rabiscava na mesinha do pomar, baixou os olhos sobre eles e assim permaneceu.