Thursday, June 28, 2007

Interlúdio

“Z. saltou do palco - não muito vibrante - mas com a fisionomia nitidamente alterada. Cortou em disparada o corredor principal do teatro e dele nunca mais se teve notícia. Y., portanto, sem parceiro, não teve opções e meteu bala na cabeça.”Aconteceu mais ou menos assim, contava-me J. quase gargalhando – sujeito sarcástico ou sádico ou ambos, esse J. Eu estava de saco cheio e empapuçado de cerveja, fedendo a cigarro alheio, já com duas queimaduras no braço, e louco para voltar para casa. Lá era assim: ficava num quartinho de um sobrado de uma viúva, exalava mofo com um parco colchão atirado num canto. Não era uma pensão, só eu tinha a honra de dividir o sobrado com dona E.

O papo no boteco ia longe e R. seguia açoitando M. com cantadas da moda. Àquela altura, a náusea já me subia à garganta. “Vou dar uma volta!”, sentenciei e me mandei tropeçando no que via pela frente. J. ainda me puxou pelo braço, mas não estava para brincadeira e o derrubei com um peteleco duplo. Já mais aliviado, tentei focar o chão e voltar para casa sem derrubar nenhum poste. Até meu quartinho fétido bastavam uns trinta passos em linha reta e noventa em zigue e zague. Abri o portão com todo o esmero possível para não acordar a viúva e esgueire-me pelo corredor até alcançar o quarto.

A luz não acendeu. “Tome, use isso.” Era Z.! Só podia, pela voz...Estiquei o braço na penumbra e tomei o objeto. Um castiçal. “Acenda com isto e poderemos conversar decentemente.”Agora tratava-se de Y. e todo seu vigor no falar. Acendi a vela. Ambos refestelados no colchão, fitando-me. O efeito mais corrosivo do álcool já havia passado, então me juntei a eles e por ali permanecemos sei lá até quando. Falamos mal de alguns e muito mal dos outros, foi divertido.

Isso foi o que J., quase gargalhando, contou tempos depois numa mesa de bar, depois da peça. Sujeito debochado esse J. Ainda lhe ofereço uma lamparina, qualquer dia desses. E um fósforo de quebra.