Friday, July 17, 2009

última linha

Tarde de noite, os dedos não acompanhavam mais o raciocínio. Pousou os braços sobre a mesinha improvisada de madeira carcomida e suspirou profundamente, decepcionado. Sentia-se frustrado, não conseguia pôr um algumas linhas frases decentes e sensatas para encerrar aquela carta estúpida... Desculpa por isso, desculpe por aquilo também...

Sempre no último parágrafo, na última linha. Em toda sua vida, sempre o último parágrafo custava a sair e quando vinha à toa, a fórceps, era um desapontamento completo. O texto pronto, sem sal, sem açúcar, sem pimenta. E agora isso, uma reles carta, de caráter dócil, tentando amainar as rusgas recentes. E não ficava pronta, assim como todos os outros escritos. Sempre pela metade, do meio para o fim ele parava na linha final, aquela órfã de um ponto.

Amargurado, o senhor de tantos e indefinidos anos deu umas duas ou três voltas pela sala do pequeno apartamento incrustando sem piedade os dedos no couro cabeludo, arrancando os poucos fios que recobriam o topo da cabeça repleta de cicatrizes. Traços cravados em sua pele por conta de um acidente de carro. Bebera demais na noite da briga e se aventurou pela estrada.

Escapou com sorte, mas preferiria, certamente, ter passado desta para uma melhor. Sentia-se inútil, frágil e não usufruía qualquer prazer na vida, além de entupir-se de remédios para as frequentes e cruéis dores no abdômen, frutos de excessos ordinários. Há quase vinte anos lhe foi estabelecida uma série de regras, que obviamente deu um jeito de burlar.

Depois de mais algumas coçadas nos cabelos antes de voltar à cadeira mambembe e teclou em seu computador portátil obsoleto mais duas ou três linhas. Escreveria à mão, não fosse a inabilidade para tal. Uns bla, bla, blas e decidiu não continuar. Era inútil, dispensável e, principalmente, uma mera desculpa esfarrapada para se sentir melhor. Mas quem era ele para querer se sentir melhor?

1 comment:

Onerb said...

erro de concordância, você é um erro de concordância.